“Fomento à segurança é um papel de todos os atores do sistema da aviação civil”, disse o diretor da ANAC
Rogério Benevides tem um longo currículo e uma vasta experiência. Mas ocupa estas páginas nesta edição por um motivo em especial, ele conhece bem o segmento de serviços em solo e acompanhou de perto a transformação do mercado: da falência da SATA até os dias de hoje. Engenheiro Aeronáutico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e Especialista em Engenharia de Produção pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e em Economia do Transporte Aéreo pelo Metropolitan State College, Benevides passou pelo Instituto de Aviação Civil (IAC), entre 1988 e 2011, foi Chefe da Divisão de Facilitação e Segurança da Aviação Civil no Departamento de Aviação Civil (DAC). E na ANAC, onde hoje é diretor, ocupou inúmeras funções desde 2006. Leia os principais trechos da entrevista concedida ao Em Solo.
Em Solo – A Europa, através da EASA, quer submeter das Esatas e não das companhias aéreas às auditorias. Acredita que isso vá chegar para o Brasil também em algum momento?
Rogério Benevides – A discussão deve chegar sim aqui no Brasil, sempre levando-se em consideração as especificidades do mercado brasileiro, do tamanho da empresa, do volume de suas operações, e o nível de maturidade dos seus planos de treinamento, de seleção e de qualidade. Atualmente, a Agência adota a regulação indireta sobre o tema. Contudo, durante as discussões na ICAO, fica claro que haverá evolução sobre o tema, principalmente considerando que a própria IATA já possui programas de auditorias independentes quando se trata de empresas aéreas e de serviços auxiliares. Nesta linha, considero extremamente oportuno o desenvolvimento do CRES (Certificado de Regularidade em Serviços Auxiliares ao Transporte Aéreo) no cenário nacional.
Em Solo – O senhor esteve em Montreal recentemente, que novidades trouxe da ICAO?
RB: Sim, estive recentemente no ICAO Global Implementation Support Symposium, e lá tivemos a oportunidade de levar a experiência brasileira na construção de aeroportos inovadores e sustentáveis. É com muito orgulho que também conseguimos renovar nosso programa de intercâmbio profissional com a OACI, de alocação temporária de pessoal nas estruturas formais de trabalho deste organismo internacional. Esta é uma oportunidade ímpar para que servidores da ANAC possam estar na vanguarda das discussões internacionais da aviação e trazer informações e representar nosso país em grupos de trabalho que resultam, por vezes, em requisitos e recomendações que todos os países devem ou podem adotar. Pudemos observar também uma nova “pegada” da OACI na estruturação de iniciativas para fomentar a inovação no transporte aéreo internacional.
Em Solo – Como o senhor vê as Esatas no Brasil, comparativamente ao mercado europeu ou norte-americano?
RB: As Esatas no Brasil possuem papel essencial na operação de solo em diversas modalidades, atendimento das aeronaves, serviços de segurança, atividades relacionadas com a carga aérea, entre outros. Cabe ressaltar que, em função da complexidade dos aeroportos e do volume de tráfego realizado nesses ativos aeroportuários, essas atividades requerem um grau de profissionalismo e controle extremamente elevado. Nos Estados Unidos e, de forma geral, nas Américas como um todo, essas empresas possuem vínculo direto com as operadoras aéreas, para quem a FAA destina seus regulamentos e requisitos. No entanto, a EASA tem entendido que seus regulamentos e requisitos abranjam diretamente as empresas de ground handling. Assim, vejo que são dois mercados que, sob diferentes formas de regulação, têm buscado a eficiência e a segurança operacional de seus players. Eu acredito que, em breve, estaremos rediscutindo a abordagem atual.
Em Solo – E o mercado de aviação no Brasil, como o senhor avalia a perspectiva para os próximos anos?
RB: Sob uma perspectiva mais ampla, avalio que o Brasil possui potencial para expansão, principalmente estimulando a competitividade, o surgimento de novos modelos de negócio, e por conseguinte, tornando mais acessível o modal aéreo para sociedade brasileira. De maneira preliminar, sempre raciocinamos que o volume de passageiros anual cresce de 2 a 3 vezes do PIB. Tal estimativa apontaria números superiores a 200 milhões de viagens na próxima década. Essa expansão, no entanto, deve ter como premissa o baixo impacto ambiental e possivelmente a implementação de empresas com modelo de custo ainda mais reduzido e sem esquecer da importância da aviação regional neste cenário.
Outro pilar muito importante para este crescimento, relaciona-se com as questões ambientais. Nesse contexto, a ANAC tem trabalhado efetivamente no desenvolvimento de uma política de âmbito nacional e internacional que visa a mitigação dos efeitos estufa na aviação por meio do monitoramento e compensação das emissões de carbono em voos internacionais por parte das empresas aéreas e no desenvolvimento de política nacional relativa ao SAF. A previsão é de que a utilização de combustíveis SAF responda por grande parte da redução de emissão de gases de efeito estufa, de modo que até 2050 alcancemos uma aviação sem emissão de gás carbônico (Net zero 2050).
No que tange às Esatas, essas empresas cumprem papel importante no intuito de fornecer às empresas aéreas uma operação em solo mais sustentável e segura para comunidade aeroportuária como um todo, partindo-se de práticas de gestão que tenham como pilares o meio ambiente, o social e a governança (ESG). Enalteço aqui o CRES, cujo programa possui dimensões totalmente alinhadas ao ESG, o que, com certeza, propiciará o devido reconhecimento a empresas que se preocupam com sustentabilidade das operações de solo.
Em Solo – A economia de escala proporcionada pela contratação de Esatas ajuda a reduzir o custo do transporte aéreo?
RB: Sim, pois as Esatas contribuem para operações em solo mais seguras e que envolvam menos riscos. Cerca de 95% das operações em solo são feitas pelas Esatas, o que evidencia a importância e a magnitude dessas empresas para a confiabilidade do sistema de segurança da aviação civil. A economia de escala certamente trará benefícios operacionais, bem como a otimização da quantidade de ativos necessários para realização dos serviços de apoio às operações aeroportuárias das empresas aéreas.
Em Solo – Como a certificação criada pela Abesata pode contribuir para a aviação brasileira?
RB: Acredito que esse programa de autorregulação contribuirá para ambiente operacional mais seguro, e todas as iniciativas do mercado que estimulem a segurança são bem-vindas. O fomento à segurança é um papel de todos os atores do sistema da aviação civil, e quanto mais entidades preocupadas com o alcance dos requisitos mínimos de Safety, melhor para o sistema como um todo e para a sociedade brasileira, nossa cliente principal, a quem devemos direcionar todos os nossos esforços e para quem deve ser ofertado um transporte aéreo com maior excelência e qualidade. Certamente, uma empresa que estiver envolvida de maneira ampla nos princípios que regem o CRES robustecerá suas atividades empresariais de maneira geral. E, no médio e longo prazo, possivelmente possuirá vantagens competitivas para a sua perpetuação no mercado.