Mulheres avançam no setor aéreo, mas paridade é distante

No mundo, companhias têm apenas 5,1% de pilotas e 9% de engenheiras; no cargo de CEO representatividade é de 6%

Comissária desde os 18 anos, Estela Favoretto, agora com 41, materializou no ano passado um sonho que surgiu ainda na adolescência: tornar-se pilota de jatos. Favoretto fez a transição de carreira na Latam, empresa que trabalhou por 16 anos como comissária e, desde março de 2022, pilota as aeronaves da família A320 – uma vitória para as mulheres, que lutam para conquistar espaço no setor.

Dados compilados pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) mostram que as pilotas representam apenas 5,1% do quadro de profissionais das companhias aéreas em todo o mundo. Mulheres ocupam 6% das cadeiras de CEOs e 13% são diretoras financeiras. A maior representatividade em cargos de liderança dentro do setor aéreo está na diretoria de recursos humanos, com 40% de mulheres. Além disso, o percentual de engenheiras aeroespaciais é de menos de 9%.

Favoretto conta que conheceu o setor aéreo por meio de um curso de comissária e piloto aberto na sua cidade natal, Maringá (PR). Aos 18, virou comissária da antiga Rio Sul Serviços Aéreos, depois foi para a Varig e, na sequência, para a Latam. Sua primeira hora de voo chegou em 2007, o término do curso de piloto veio em 2012, e a faculdade de Ciências Aeronáuticas foi concluída em dezembro de 2017, quando ficou apta para a seleção – seis meses após o nascimento da sua filha, Brenda. Mas a pandemia acabou postergando ainda mais o passo da agora pilota da Latam.

Mesmo diante dos anos de estudos, Favoretto diz que nada disso teria sido possível sem o apoio e exemplo de muitas mulheres que abriram portas no setor. “Hoje é muito mais comum, mas ainda somos um número pequeno”, disse. Mulheres respondem por 3% do quadro de pilotos da Latam Brasil. Engenheiras são 11% do total.

Ela afirma também que contar com uma base de apoio familiar foi fundamental para levar o sonho adiante – algo que muitas mulheres infelizmente não têm. “A gente acaba se colocando limites. A gente se questiona, como vamos criar nossos filhos ficando seis dias fora de casa. No começo, vem uma cobrança nossa e da própria sociedade”, disse.

A busca por uma maior representatividade feminina é uma pauta importante da Latam, que tem hoje 35% do seu time total no Brasil composto por mulheres. Dos cargos de liderança executiva e operacional, elas ocupam 36,5% das vagas. As mulheres representaram ainda mais de 60% das posições executivas preenchidas no Brasil em 2022.

A busca por mais diversidade e inclusão, não só de mulheres, mas também de pessoas pretas e LGBTQIA+, tem movimentado o mundo corporativo nos últimos anos e fez a Iata lançar em setembro de 2019 o programa 25by2025, em que as companhias associadas à entidade assumem compromissos como o de elevar o número de mulheres em posição de liderança e em áreas com baixa representatividade a um patamar de pelo menos 25% até 2025.

“Com a pandemia, achamos que seria o fim do programa, com as companhias aéreas lutando para sobreviver. Mas não, elas continuaram focadas, falaram que se trata de um tema importante e começaram a fazer parte”, disse ao Valor Jane Hoskisson, diretora da Iata e idealizadora do programa. Hoje, são 187 empresas signatárias – mais do que 50% das filiadas à associação. No Brasil, estão incluídos Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Associação Brasileira das Empresas de Serviços Auxiliares ao Transporte Aéreo (Abesata), AzulGol e Latam.

Questionada sobre os principais desafios para ampliar a participação feminina no setor, Hoskisson destacou dois elementos. O primeiro é tentar entender se a indústria se mostra atrativa às mulheres e se elas podem de fato progredir. “A percepção das pessoas sobre a indústria é pensar piloto como um homem”, disse. Para além do esforço do setor, há questões estruturais e econômicas que também ficam no caminho das mulheres e precisam ser endereçadas por políticas públicas, acrescenta.

Na Azul, 41% do time da companhia aérea é composto por mulheres. Elas respondem por 6% do quadro de pilotos e 13% do time de engenharia. Camila Almeida, diretora de pessoas da companhia, completa quatro anos na Azul no mês que vem, nesta que é sua primeira empreitada no setor aéreo – antes trabalhou nos segmentos de construção, publicidade e logística.

Almeida destacou que o papel do RH dentro das empresas é provocar a quebra de barreiras que impedem a entrada e crescimento de mulheres. “A gente precisa provocar essa quebra. Eu não posso me prender e falar que eu não tenho mais técnicas de manutenção porque só se formam homens. O nosso papel é ir nas escolas, fazer parcerias em vários eixos. Nós queremos as mulheres com oportunidade de estudar. O papel da área de pessoas é abrir o leque”, disse.

Na Gol, 44% dos funcionários são mulheres. Elas respondem por 1,32% da equipe de pilotos, 18,42% do time de engenheiros e 36% dos cargos de liderança. No alto escalão executivo (“C-level”) são três (33% do total), sendo uma delas Carla Fonseca, Chief Experience Officer da Gol e presidente da Smiles – ela entrou no setor há oito anos, como gerente de produtos para o consumidor e canais de relacionamento no programa de fidelidade.

“Atualmente, temos vários exemplos de líderes femininas à frente de grandes companhias aéreas, mulheres nos conselhos ou diretorias, além de ver no dia a dia mais pilotas, engenheiras, mecânicas. O setor também conta com mais eventos e prêmios voltados para essa questão, o que nos mostra que há muitas oportunidades de expansão e representação. O desafio é expandir cada vez mais essas iniciativas e aumentar a conscientização”, disse.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/03/08/mulheres-avancam-no-setor-aereo-mas-paridade-e-distante.ghtml

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